Massacre da Praça de Tiananmen de 1989

O massacre

Nos primeiros meses de 1989, os estudantes universitários de Pequim começaram a mostrar a sua insatisfação perante a corrupção dos responsáveis chineses, exigindo reformas políticas e económicas. As suas revindicações suscitaram um apoio público crescente e, a pouco e pouco, começaram a ter lugar manifestações por toda a China.  As tensões foram aumentando, principalmente em Pequim, até que em 20 de maio foi decretada a lei marcial.

Na noite de 3 de junho, tropas fortemente armadas e centenas de tanques de guerra puseram-se em movimento em Pequim para “limpar” os manifestantes pró-democracia. Muitos civis desarmados, incluindo crianças e idosos, foram mortos por disparos das tropas. Alguns eram meros curiosos que se encontravam nas ruas de acesso à Praça de Tiananmen, onde se concentravam os manifestantes. No dia 4 de junho, as tropas acabaram por controlar Pequim.

Num relatório oficial divulgado no fim de junho de 1989, as autoridades chinesas reconheciam que mais de 3.000 civis tinham sido feridos e que mais de 200, incluindo 36 estudantes, tinham morrido. Há inúmeros indícios, nomeadamente os dados recolhidos junto das famílias das vítimas, de que os dados oficiais são demasiadamente baixos.

Imediatamente após a repressão militar, começou uma caça a todos aqueles que pudessem ter estado envolvidos nas manifestações. Muitos civis foram detidos, torturados e enviados para prisões após julgamentos injustos, sob a acusação de delitos “contra revolucionários”. As famílias foram perseguidas, passando a esconder que familiares seus tinham sido mortos ou estavam presos na sequência das manifestações pró-democracia.

Ao longo dos anos, muitos ativistas na China continuaram a ser presos por tentarem homenagear as vítimas e pedir justiça para com as suas famílias. Um deles é a advogada Chow Hang-tung, que desde 1990 organizava, em Hong Kong, uma vigília anual no dia 4 de junho. Em 2020 e 2021, as autoridades de Hong Kong proibiram a vigília, alegando razões de proteção da saúde pública, no âmbito da pandemia da COVID-19. Perante esta situação, no dia 4 de junho de 2021, Chow incentivou as pessoas a juntarem-se nas redes sociais para assinalarem a data do massacre, acendendo velas. Foi detida nesse mesmo dia por “promover ou publicitar uma reunião não autorizada”, estando a cumprir uma pena de 22 meses de prisão. Posteriormente, foi acusada de “incitamento à subversão”, acusação que poderá ditar uma condenação adicional até dez anos de prisão.

Antecedentes dos acontecimentos de 1989  na Praça de Tiananmen

Os antecedentes são:  situação política/lutas pelo poder, “Incidente de Tiananmen de 1976”, domínio progressivo de Deng Xiaoping/ reformas económicas, insatisfação em várias camadas da população.

No início de 1976, a China era chefiada por Mao Zedong mas havia uma luta pela influência política entre os maoístas, chefiados pelo Bando dos Quatro, e os antigos quadros, entre os quais Deng Xiaoping, que tinha sido purgado durante a Revolução Cultural, em 1966, mas que tinha sido reabilitado pelo primeiro Ministro Zhou Enlai, em 1974. Zhou Enlai morreu em janeiro de 1974 e foi homenageado publicamente no tradicional Festival de Limpeza dos Túmulos, em que milhares de residentes em Pequim colocavam coroas de flores no monumento dos heróis, na Praça de Tiananmen. Muitas das coroas de flores tinham agregados poemas que expressavam cólera pela atuação do Bando dos Quatro. A 5 de Abril de 1976, os maoístas declararam “contra revolucionário” o ajuntamento, que foi disperso à mocada. Este foi o “Incidente de Tiananmen de 1976”. Deng Xiaoping foi responsabilizado pelo “incidente” e novamente purgado.

Após a morte de Mao Zedong, em setembro de 1976, o Bando dos Quatro foi detido. Em 1977 Deng Xiaoping foi novamente reabilitado. A luta entre maoístas e antigos quadros do Partido prosseguiu devido às injustiças da Revolução cultural.  Deng Xiaoping chefiou esta luta por parte dos quadros, tendo conseguido colocar dois deles em lugares chave: Hu Yaobang foi promovido a Secretário Geral do PCC, em Fevereiro de 1980,  e Zhao Ziyang subiu a 1º Ministro em setembro do mesmo ano. Ambos estão ligados aos acontecimentos de 1989 na Praça de Tiananmen.

Em 1978, Deng introduziu um vasto programa de reformas económicas, seguidas por um breve período de relativa tolerância quanto à liberdade de expressão: vários intelectuais chineses, entre os quais Wei Jingsheng, apelaram às reformas políticas, colocando apelos e artigos no Muro da Democracia, em Pequim. Este período, conhecido por Primavera de Pequim, foi de curta duração. Em março de 1979, Wei foi detido e, em dezembro, o Muro da Democracia foi encerrado. Contudo, as reformas económicas prosseguiram. Em 1981, 73% das quintas rurais tinham deixado de pertencer a unidades coletivas e 80% das indústrias estatais podiam reter os lucros conseguidos.

As reformas foram, de modo geral, bem recebidas pelo público mas deram origem à inflação, com os preços a subir 30% , e a um sistema duplo de fixação dos preços – uns eram fixados pelo estado e outros, provenientes de unidades des-coletivizadas, eram deixados a flutuar. As pessoas com boas conexões a nível partidário compravam os bens a preços baixos e revendiam-nos aos preços do mercado. Assim, começou a ser formada uma camada de ricos e outra de pobres, sob um regime político rígido, baseado na ideologia comunista, mas com práticas económicas capitalistas, aumentando o descontentamento face à distribuição injusta da riqueza.

Também entre os intelectuais se instalou o descontentamento. Muitas universidades foram instauradas desde 1978 mas o sistema estatal de educação não preparava os alunos para os pedidos crescentes nas áreas da agricultura, indústria ligeira, serviços e investimento estrangeiro. Os diplomados nas áreas de ciências sociais e humanidades tinham muita dificuldade em conseguir emprego. Muitos empregos bem pagos eram oferecidos com base no nepotismo e no favorecimento pessoal. Os empregos estatais foram atribuídos a funcionários com pouca perícia na sua área de atuação. Instalou-se uma burocracia ineficiente. Em face das sombrias perspetivas de emprego e das muito limitadas possibilidades de ir para o estrangeiro, os intelectuais e estudantes aumentaram o seu envolvimento nas questões políticas.

A procura de soluções para os problemas criados pelas reformas de Deng Xiaoping abriu uma brecha na liderança chinesa. Os reformistas (“a direita”, liderada por Hu Yaobang) advogava reformas profundas, nomeadamente uma liberalização política, e expressava preocupação quanto à inflação, as perspetivas limitadas de carreiras e a corrupção da elite do Partido. Os conservadores (“a esquerda”, liderada por Chen Yun) dizia que as reformas tinham ido longe demais e advogavam um regresso a um maior controlo estatal para assegurar a estabilidade social e o alinhamento com a ideologia socialista do Partido. Ambos os lados necessitavam da aprovação do líder supremo Deng Xiaoping.

 

Manifestações estudantis de 1986

No verão de 1986, o professor de astrofísica Fang Lizhi, que tinha voltado de uma estadia na Universidade de Princeton, começou a falar de liberdade, direitos humanos e separação de poderes, em várias universidades na China. Os seus discursos gravados tornaram-se muito populares entre os estudantes. Deng Xiaoping advertiu-os de que Fang estava a promover os estilos de vida ocidentais, minando a ideologia socialista, os valores tradicionais e a liderança do Partido. Inspirados por Fang Lizhi, os estudantes manifestaram-se exigindo democracia, liberalização económica e a instauração de um estado de direito. Estas manifestações tiveram início em Hefei, onde Fang vivia, mas rapidamente alastraram a Pequim e a outras cidades. O poder central ficou alarmado com os protestos e acusou os estudantes de fomentarem uma agitação ao estilo da Revolução Cultural. O Secretário Geral do PCC, Hu Yaobang, foi acusado pelos conservadores de tomar uma atitude fraca. Hu foi forçado a demitir-se de Secretário Geral a 16 de janeiro de 1987. Seguiu-se uma “Campanha Contra a Liberalização Burguesa” que pôs fim aos protestos estudantis e que endureceu o ambiente político. Porém, Hu permaneceu popular entre os progressistas dentro do Partido, entre os intelectuais e os estudantes.

 

O despoletar da repressão que levou ao Massacre da Praça de Tiananmen

Hu Yaobang morreu subitamente de ataque cardíaco a 15 de Abril de 1989. A sua morte despoleta, no meio estudantil, um movimento de luto, acompanhado de pedidos de fim da corrupção dos dirigentes e da democratização do regime, manifestações estas que vão alastrando a várias regiões da China, com apoio popular.

Um editorial do Quotidiano de Povo, de 26 de abril, qualifica os manifestantes de “reacionários perturbadores”. No dia seguinte ao da sua publicação, milhares de estudantes de todas as Universidades de Pequim marcharam pelas ruas, a caminho da Praça de Tiananmen. Foram apoiados pela população e por operários fabris ao longo do percurso. Em face do sucesso inesperado da marcha, o governo resolveu encetar conversações com os representantes dos estudantes sobre o Editorial do Quotidiano de Povo e sobre a liberdade da imprensa. Em dois discursos, nos dias 3 e 4 de maio, Zhao Ziyang reconheceu que as preocupações com a corrupção eram legítimas e que o movimento dos estudantes era patriótico, o que contradizia o Editorial.

Em face da anunciada visita de Gorbachev à China e da projetada receção de boas vindas na Praça de Tiananmen, 2.000 a 3.000 estudantes resolveram começar uma greve da fome dois dias antes, a 13 de maio. Pretendiam pressionar o governo em relação às suas reivindicações. São apoiados por alguns professores, entre os quais Liu Xiaobo e pela população em geral que lhes traz água e cuida deles.  À tarde, cerca de 300.000 estudantes estavam reunidos na Praça.

Os protestos e greves às aulas alastraram a outras cidades e aos estudantes liceais. Deng Xiaoping exigiu que a Praça fosse limpa para a visita de Gorbachev. Este acabou por ter a cerimónia de boas vindas realizada no aeroporto.

Em face das exigências de Deng Xiaoping e dos duros do Partido, a 19 de maio, Zhao Ziyang, então Secretário Geral do PCC, dirige-se à Praça de Tiananmen para negociar com os estudantes, pedindo-lhes que acabem com a greve de fome e evacuem a Praça. No dia seguinte, Zhao Ziyang é deposto de Secretário Geral do PCC e a lei marcial é decretada. São enviados para a praça soldados que são rodeados pela população, que lhes ralha. Alguns acabam por confraternizar com o povo.

Militares vindos de várias regiões da China concentram-se em Pequim. Na noite de 3 de junho, por ordem de Deng Xiaoping, estas tropas fortemente armadas e centenas de tanques de guerra puseram-se em movimento para “limpar” os manifestantes pró-democracia. As operações violentas só acabaram no dia seguinte, fazendo numerosos mortos e feridos, neste episódio que é conhecido pelo Massacre da Praça de Tiananmen.