Um território com espaço para todos e todas

Por Inês Pereira,
Ativista da ReAJ – Rede de Ação Jovem

 

Ao longo de décadas, o mundo tem estado de braços cruzados para um conflito que separa dois povos há demasiado tempo. Desde 1947 que o, até então, território palestiniano foi divido em dois Estados: um árabe e um judeu. A partir desta divisão aprovada pelas Nações Unidas (ONU) e chamada de “Plano de partilha” (Resolução 181), dezenas de outras resoluções foram aprovadas pela ONU para afirmar os direitos do povo palestiniano à autodeterminação. Um direito que ainda hoje lhes é negado. Hoje, Dia Internacional de Solidariedade com o Povo Palestiniano, é imperativo relembrar a importância de se olhar para a causa palestiniana e de a ver como uma causa de toda a humanidade.

 

Setenta anos de ocupação

O estabelecimento do Estado de Israel no antigo mandato britânico da Palestina causou o massacre de mais de 15 mil pessoas palestinianas e o deslocamento de cerca de 750 mil pessoas palestinianas, que foram expulsas ou que fugiram das suas casas e que se tornaram pessoas refugiadas na Cisjordânia e em Gaza, e em países vizinhos. Segundo a ONU, o povo palestiniano é a maior população refugiada no mundo, superando os 5 milhões. A expulsão e expropriação de centenas de milhares de pessoas palestinianas é conhecida como a Nabka ou “catástrofe”, que marca a destruição de vilas e cidades palestinianas para estabelecer comunidades judaicas e a expulsão da presença da cultura palestiniana das terras que se tornaram parte do Estado de Israel.

Contudo, a ocupação israelita não se ficou por aqui e expandiu-se a um ritmo acelerado. Vários episódios evidenciaram a sua expansão de ocupação, como o marco reconhecido na Guerra dos Sete Dias, em 1967, quando Israel ocupou a Faixa de Gaza, a Cisjordânia e Jerusalém Oriental, entre outros territórios.  Como resultado, Israel aumentou o território em 50% e, neste momento, ocupam 78% da área destinada à Palestina, como indicado pela ONU.

Setenta anos depois da Nabka, Israel destaca-se como um estado racista, de apartheid, cuja opressão estrutural do povo palestiniano se mantém como o principal obstáculo para a paz e a reconciliação. As ordens militares israelitas são usadas para dar cobertura a generalizadas violações de Direitos Humanos e da lei humanitária internacional, incluindo a extensa apropriação de propriedade e recursos naturais, a demolição de casas, lojas e outros negócios, encarceramentos arbitrários e detenções ilegais de milhões de pessoas palestinianas. As políticas de Israel de instalar civis israelitas nos Territórios Palestinianos Ocupados, destruindo propriedades de forma descontrolada e transferindo à força as pessoas palestinianas que vivem sob a ocupação, violam a IV Convenção de Genebra e constituem crimes de guerra definidos nos estatutos no Tribunal Penal Internacional. Simultaneamente, Israel impõe restrições arbitrárias que privam o povo palestiniano de aceder e usar a sua própria água, terras e outros recursos, limitando o seu desenvolvimento económico e violando os seus direitos económicos e sociais.

 

Uma vida entre muros e invisibilidade

Intifada em árabe, significa “abanão, agitação”, e é o nome dado a uma série consecutiva de grandes protestos e confrontos violentos na Palestina. Devido às memórias da Segunda Intifada, que decorreu entre 2000 e 2005, e que resultou na morte de 1.300 pessoas israelitas e 3.300 palestinianas, Israel pôs em prática a separação da fronteira como uma filosofia. Ergueu dois muros: um muro que cerca as fronteiras da cidade de Jerusalém, bloqueando a livre circulação do povo palestiniano, cortando-lhes a ligação das casas às suas terras e restringindo-lhes o acesso a serviços e a empregos; e uma cerca de metal que fecha Gaza dentro de si própria, criando uma fronteira até hoje não reconhecida internacionalmente e nunca aceite pelas autoridades palestinianas. O bloqueio ilegal aéreo, marítimo e terreste que Israel impôs, e mantem sobre a Faixa de Gaza há quase dez anos, coloca sob cerco dois milhões de pessoas numa área de 365 quilómetros quadrados. É de realçar que a verdade é que estes não são muros de fronteiras, porque para o serem, a Palestina teria de ser reconhecida como estado, algo que Israel se refusa a fazer.

A estes muros, e ao que acontece a quem neles se encontra encurralado, há quem chame de “maior campo de concentração de sempre”, ou o “Gueto de Gaza” ou até de uma prisão a céu aberto. O povo palestiniano tem tentado quebrar a cerca, saltar o muro, quebrar o portão da prisão, mas o mundo parece ter-se habituado ao nível chocante de opressão e de humilhação que os palestinianos e palestinianas enfrentam nas suas vidas diárias nos territórios ocupados. É absolutamente chocante que, desde que a ocupação começou, se assista a uma total impunidade em décadas de crimes de guerra, de crimes contra a humanidade e de violações de Direitos Humanos cometidos nos Territórios Palestinianos Ocupados.

 

Entre o cansaço e a esperança

A instabilidade política entre Israel e a Palestina intensificou-se ao longo deste ano, acompanhada de uma forte resistência palestiniana, envolvida pela esperança de alcançar uma paz que parece tardar a concretizar-se, de um povo marcadamente sofrido, cansado e resignado da injustiça, indignidade e discriminação que tem suportado durante décadas. Mas é fora da humanidade não resistir, e perante tantas violações e humilhações, que o povo palestiniano tende a continuar a erguer-se com a sua resistência humana. Exemplo disso têm sido os confrontos e lutas que têm desafiado a ofensiva militar de Israel ao longo deste ano, principalmente a que aconteceu no dia 14 de maio, em que pelo menos 55 pessoas palestinianas foram mortas e entre 900 e 1600 ficaram feridas, segundo o governo da Faixa de Gaza. O conflito teve como pano de fundo a reivindicação histórica por terras, mas aflorou na data que marcou os 70 anos do Estado de Israel e a inauguração da embaixada americana na cidade de Jerusalém. A Amnistia Internacional condenou o uso excessivo da força e de munições reais por parte de militares israelitas de forma totalmente deplorável.

A realidade de hoje pode parecer sombria para o povo palestiniano, mas há uma contra realidade que deve ser reconhecida: a aspiração humana pela liberdade é poderosa. A intimidação e a coerção não quebraram o espírito da resistência palestiniano. Rosto dessa é Ahed Tamini, uma jovem palestiniana, presa pelas forças militares israelitas por ter empurrado, esbofeteado e pontapeado dois soldados fortemente armados e que envergavam equipamento protetor, e que, felizmente, foi libertada a 29 de julho deste ano. A Amnistia Internacional instou na altura da sua libertação que “a injusta prisão de Ahed Tamini deve fazer lembrar como a ocupação feita por Israel lança mão de tribunais militares arbitrários para punir quem ouse confrontar a ocupação e as políticas de expansão dos colonatos ilegais, independentemente da idade”. Mas Tamini não é a única jovem resistente e vítima da opressão Israelita. Ela dá rosto às centenas de crianças palestinianas que continuam a enfrentar violações de Direitos Humanos, abusos e as difíceis condições do sistema prisional de Israel.

Para além da resistência, há quem veja os seus sonhos na missão impossível de poderem ser concretizados. Exemplo disso é o sonho de Alaa, jovem de 21 anos, preso em Gaza, com a aspiração de representar o seu país em competições internacionais de ciclismo. Além de ser negado a Alaa a oportunidade de representar o seu país no exterior, ele mantém cravado no corpo uma memória que se fez carne, fruto da luta e resistência para com Israel. Alaa perdeu a perna direita quando soldados israelitas dispararam contra ele e outras pessoas que se manifestavam de forma pacífica ao longo da faixa de Gaza, no dia 30 de março.

 

Neste momento, parece que o mundo se resignou a comentários tímidos em vez de uma ação significativa. Mas a coerção continua e Israel impede ao povo da Palestina o acesso a todas as direções rumo à dignidade e à liberdade: nenhum direito à autodeterminação e nenhum direito de retorno às suas casas originais. A comunidade internacional tem de ser pressionada a tomar medidas contra essas violações e a contribuir para que o bloqueio em Gaza seja totalmente retirado de forma a permitir que as pessoas desfrutem dos seus direitos. Faz também pressão assinando esta petição.

A causa palestiniana é, na realidade, uma causa que diz respeito diretamente a todos e todas nós, quem defende a democracia, a justiça e a paz.

 

Para saberes mais, visita esta plataforma em que poderás ver num mapa interativo com informações sobre os ataques de Israel a Gaza durante o conflito armado de 2014.

 

 

Fontes:

Livros

Said, Edward (1980). The question of Palestine. Time Books, New York

WebSites

Amnistia Internacional Portugal, “Uso excessivo da força em gaza e uma horrível violação da lei internacional”, 14 de maio de 2018. Disponível em: https://www.amnistia.pt/uso-excessivo-da-forca-em-gaza-e-uma-horrivel-violacao-da-lei-internacional/ (acesso a 19 de novembro de 2018).

Amnistia Internacional, “Libertação de Ahed Tamimi e um momento agridoce com tantas crianças palestinianas a definharem nas prisões de Israel”, 29 de julho de 2018. Disponível em: https://www.amnistia.pt/libertacao-de-ahed-tamimi-e-um-momento-agridoce-com-tantas-criancas-palestinianas-a-definharem-nas-prisoes-de-israel/ (acesso a 19 de novembro de 2018).

Amnistia Internacional Portugal, “Bloqueio de Produtos dos Colonatos Israelitas e o fim das violações de direitos humanos dos palestinianos”, 7 de Junho de 2018. Disponível em: https://www.amnistia.pt/bloqueio-produtos-dos-colonatos-israelitas-fim-as-violacoes-direitos-humanos-dos-palestinianos/ (acesso a 25 de novembro de 2018)

Amnesty International, “Take action: lift the blockade on Gaza”. Disponível em: https://www.amnesty.org/en/get-involved/take-action/lift-the-blockade-on-gaza/ (acesso a 26 de novembro).

Fumaça, “Palestina, Ramallah, a cidade artificial”, número 1 da série de reportagem PALESTINA, HISTÓRIAS DE UM PAÍS OCUPADO. Disponível em: https://fumaca.pt/palestina-ramallah-cidade-artificial/ (acesso a 25 de novembro).

Fumaça, “Belém, do milagre da vida à banalidade da morte”, número 2 da série de reportagem PALESTINA, HISTÓRIAS DE UM PAÍS OCUPADO. Disponível em: https://fumaca.pt/palestina-episodio-2-belem-do-milagre-da-vida-a-banalidade-da-morte/ (acesso a 25 de novembro).