MGF – Mitos e Factos

Por Aua Embaló, Carolina Esteves e Ianira Vieira

 

Esta é a primeira parte de um trabalho que está a ser realizado pela ReAJ de Lisboa, de recolha e publicação de testemunhos relativos à MGF (Mutilação Genital Feminina), que será publicado ao longo dos meses de Fevereiro e Março, em sensibilização aos dias 6 de Fevereiro – Dia da Tolerância Zero à Mutilação Genital Feminina – e 8 de Março – Dia Internacional da Mulher. A próxima parte será acerca da posição da Amnistia Internacional e trabalho realizado neste âmbito.

 

 

A mutilação genital feminina (MGF) , circuncisão feminina, corte genital feminino, fanado e mais nomenclaturas é um problema global de violação dos Direitos Humanos, com base na desigualdade de género. No entanto, existem muitas concepções erradas em torno do tema, por isso convidamos à reflexão sobre alguns mitos em torno da prática da MGF.

 

Mito: MGF é um procedimento padrão.

Segundo a Organização Mundial de Saúde, a mutilação genital feminina (MGF) compreende todos os procedimentos que envolvem a remoção parcial ou total dos órgãos genitais femininos externos, ou outras lesões dos órgãos genitais femininos por razões não médicas. A prática não tem benefícios para a saúde das raparigas e das mulheres e causa hemorragias graves e problemas urinários, quistos posteriores, infeções, bem como complicações no parto e aumento do risco de morte de recém-nascidos. Estima-se que mais de 200 milhões de raparigas e mulheres vivas hoje em dia tenham sido submetidas à prática.

 

A mutilação genital femininal é classificada em 4 tipos principais:

  • Clitoridectomia é a remoção parcial ou completa do clítoris;
  • Excisão é qualquer corte e remoção do clítoris e dos lábios;
  • Infibulação é a criação de um selo para estreitar a abertura vaginal através do corte e costura dos lábios – a infibulação pode ou não incluir uma clitoridectomia;
  • “Todos os outros procedimentos prejudiciais aos órgãos genitais femininos para fins não médicos” – isto inclui a picagem, raspagem, cauterização.

 

Em Portugal, segundo dados divulgados da DGS, desde 2014 foram registados um total de 668 casos de mutilação genital feminina em Portugal.Em 2022, foram registados 190 casos de mulheres genital feminina, maioritariamente, no âmbito da vigilância da gravidez.

 

Mito: É uma tradição religiosa.

Apesar de muitas pessoas acreditarem que a MGF tem raízes religiosas, incluindo as pessoas que perpetuam a prática, a sua base é predominantemente cultural visto que não existem livros religiosos que prescrevem a prática.

 

Mito: Acontece apenas nos países africanos.

A MGF é um problema global. Não é apenas um problema de África.  Existem provas de que a MGF ocorre na  Índia, Iraque, Malásia, Arábia Saudita, América do Sul, Europa e Estados Unidos.

Em Portugal, desde 2014 – altura em que os casos começaram a ser contabilizados -, um caso foi registado como tendo sido realizado em Portugal.

 

Mito: As pessoas compreendem e escolhem submeter-se à prática.

As pessoas podem não compreender e consentir o procedimento.

Normalmente, as pessoas são submetidas à prática quando são muito novas. Mesmo quando têm idade suficiente para compreender a prática, as raparigas e mulheres, normalmente, não são informadas da realização do procedimento. Em alguns casos, as mulheres são informadas da realização de uma cerimónia que envolve festa, música e presentes.

De qualquer forma, de acordo com o artigo 38.º e 149.º do Código Penal, o consentimento da pessoa submetida à prática  é irrelevante e não exclui a ilicitude da prática, tendo em consideração os meios empregues para a realização do ato e amplitude da ofensa à integridade física.

 

Mito: Apenas crianças e adolescentes são submetidas à prática como um rito de passagem.

Um relatório da ONU de 2015 reportou que a maioria das raparigas foram submetidas à MGF antes de celebrarem o seu quinto aniversário. As raparigas com idade inferior a 14 anos constituem 44 dos 200 milhões que foram submetidas à prática.

Em Portugal, os dados da DGS apontam que, entre 2018 e 2021, a média da idade aquando da realização do procedimento foi 8,4 anos, variando entre o primeiro ano de vida e os 39. Em cerca de 75% dos casos, a mutilação genital feminina ocorreu até aos nove anos de idade.

 

Mito: As mulheres que foram submetidas à MGF não sentem prazer sexual.

Em muitas das culturas e comunidades afetadas pela prática, acredita-se que as mulheres não devem experimentar o prazer sexual e que a MGF mantém as raparigas “puras”, impedindo-as de desfrutar do sexo. Desta forma, muitas sobreviventes da MGF experimentam dores físicas durante o acto sexual e o trauma do corte também pode levar as mulheres a absterem-se do sexo.

No entanto, o prazer sexual após a MGF não é impossível, e muitas mulheres têm relatado poder desfrutar da atividade sexual apesar de terem sido submetidas à mutilação genital feminina.

 

Mito: É comparável com circuncisão masculina.

Algumas pessoas equiparam a MGF à circuncisão masculina, contudo, existem algumas diferenças importantes.

Embora a circuncisão masculina também seja controversa, é na realidade prescrita por algumas religiões, enquanto que a MGF não é. Além disso, a circuncisão masculina é a remoção da pele, e não o órgão sexual em si (como é o caso de alguns tipos de MGF em que o clítoris é removido), e não causa tipicamente os mesmos tipos de problemas de saúde a longo prazo.

Mas, ainda mais importante, a MGF é realizada com o objetivo de controlar o corpo e a sexualidade da mulher e esta não é a motivação para a circuncisão masculina.

 

Mito: A realização do procedimento por profissionais de saúde elimina os riscos.

Mesmo quando a MGF é realizada por profissionais de saúde, existem muitos riscos assim como a dor, infecção, hemorragia excessiva, até à morte. Desta forma, existem sérios riscos associados a todas as formas de MGF, incluindo a MGF realizada por profissionais de saúde.

 

Mito: Criminalizar a prática é suficiente para a sua eliminação.

A MGF é uma violação dos direitos humanos e uma forma de violência contra raparigas e mulheres. A adoção de leis que proíbam a MGF é importante, mas criminalizar a prática não é suficiente.

Para a eliminação da prática, é determinante desafiar as normas e crenças sociais que suportam a MGF.