Dia Internacional pela Eliminação da Violência contra as Mulheres

Por Rita Fernandes,

Ativista da ReAJ – Rede de Ação Jovem

 

A Declaração das Nações Unidas pela Eliminação da Violência contra as Mulheres (1993) declara que o termo de ‘violência contra mulheres’ abrange todos os actos de violência de género que resultem, ou tenham possibilidade elevada de resultar, em males ou sofrimento de níveis físicos, sexuais ou psicológicos, que incluem ameaças, coerção ou privação arbitrária da liberdade (tanto na esfera pública como privada).

Alguns grupos de mulheres encontram-se especialmente vulneráveis a estas formas de violência, tais como grupos minoritários:  mulheres indígenas, refugiadas, migrantes, internadas em instituições ou detidas, portadoras de deficiências, idosas, mulheres residentes em comunidades rurais, mulheres em situação economicamente desfavorecida e mulheres em situações de conflito armado. Outras condições que tornam as mulheres mais vulneráveis a situações de violência são a dependência económica e a falta de educação (ou nível de educação reduzido).

A definição do conceito e a afirmação dos direitos e medidas a aplicar para a eliminação da violência contra as mulheres são imprescindíveis, através de um compromisso por parte dos Estados, bem como da comunidade internacional.

A violência contra as mulheres não se concentra num local específico do globo, pelo contrário, é um problema mundial e que se vê agravado em contextos de guerra.

No caso português, uma das principais preocupações trata o impacto prejudicial que as medidas de austeridade têm nas diversas esferas de vida das mulheres, bem como a questão de que poucos estudos ou avaliações foram feitas para monitorizar os efeitos específicos de género de tais medidas.

Na questão da empregabilidade, apesar de ser importante reconhecer as medidas adoptadas pelo Estado para aumentar a representação das mulheres no sector privado e em cargos de poder de grandes empresas, existe uma preocupação com o impacto limitado que essas medidas refletem na situação de empregabilidade das mulheres, sobretudo no que toca a questões de progressão de carreira e igualdade salarial, pois verifica-se que, em muitos casos, estes permanecem significativamente mais baixos do que os dos homens.

No que toca ao acesso à saúde albergamos questões desde liberdade condicionada no planeamento familiar e na escolha de métodos de parto (considerando que Portugal tem uma taxa de prática de cesariana acima dos 30% e a Organização Mundial de Saúde declarou que a taxa ideal deve variar entre os 10% e 15%) até à revisão de 2015 na lei de interrupção voluntária da gravidez que obriga a quatro consultas obrigatórias e separadas antes da interrupção e a adição de taxas à mesma, para além da controversa permissão a médicos objectores de consciência de exercer estas consultas, possivelmente limitando a liberdade de escolha destas mulheres.

Mulheres que residem em zonas rurais deparam-se com maiores dificuldades não só no acesso a vagas de emprego, como a serviços de saúde e educação, para além da agravante de, frequentemente, se encontrarem dependentes de serviços sociais baixos.

Outra preocupação da realidade portuguesa é a mutilação genital feminina que apenas foi considerada um crime autónomo pelo código penal português a Setembro de 2015. Mais de 6.000 mulheres portuguesas e 500.000 mulheres na Europa sofreram esta prática. Esta alteração de lei é um marco na luta pela eliminação da mutilação genital feminina, contudo ainda existe um longo caminho a percorrer no que toca a assegurar a jurisdição extraterritorial, para quando este crime é cometido fora do país a cidadãs portuguesas e sobretudo em comunidades em que a mutilação genital feminina prevalece, como o fortalecimento de estratégias preventivas nomeadamente programas de educação.

Não podemos deixar de referir a violência sexual e as suas consequências. Quando, em 2018, nos deparamos com casos como o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto que suspendeu a execução da pena de quatro anos e meio de prisão em que condenou dois arguidos pela prática de um crime de abuso sexual de uma mulher quando esta se encontrava inconsciente num estabelecimento comercial no qual aqueles trabalhavam, apercebemo-nos da urgência do debate sobre educação sexual (para abranger o impacto de estereótipos e atitudes patriarcais nas relações sociais de género) e medidas de prevenção e combate a desigualdade de poder nas relações de género e violência sexual:

“Segundo o Relatório Anual de Segurança Interna (RASI), o crime de violação é dos que mais aumentou em Portugal em 2017 (21,8%), no quadro da criminalidade violenta e grave, com mais 73 casos registados (num total de 408) em comparação com o ano de 2016. No RASI é referido ainda que em 90,7% dos casos registados em 2016 as vítimas são mulheres; a maioria das vítimas (22,7%) tem entre 21 a 30 anos; em cerca de 55% dos casos existe uma relação familiar ou de conhecimento entre vítima e perpetrador.”

A discussão merece então que se lembrem as mulheres Brave deste mundo, ativistas que lutam contra violações de Direitos Humanos. Este é um setor de mulheres particularmente susceptíveis a formas de violência e discriminação, uma vez que se recusam a compactuar com padrões e papéis passivos e de submissão, que a sociedade espera que preencham, face a injustiças que presenciam e vivenciam no dia-a-dia.

Por todas estas questões, este ano na Maratona de Cartas a Amnistia Internacional optou por seleccionar casos exclusivamente de mulheres, para lançar alguma luz sobre este grupo de mulheres particularmente alvo dos mais variados tipos de violência.

Podes ficar a conhecer melhor as histórias destas mulheres e assinar os apelos que visam a proteção dos seus direitos e justiça nos seus casos aqui.

 

Mais informações que devemos recordar neste dia podem ser lidas aqui.

 

Fontes:

Declaração sobre a Eliminação de Violência contra Mulheres, proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas (1993)

Violence against women in armed conflict (2005) by Amnesty International Publications

United Nation Convention on the Elimination of All Forms of Discrimination Against  Women (CEDAW), Concluding observations on the combined eighth and ninth periodic reports of Portugal (26 October – 20 November 2015)

Curso Formação de Direitos Humanos da Amnistia Internacional Portugal/  Associação de Estudos Estratégicos e Internacionais (NSIS), Cláudia Pedra, Junho de 2017

Amnistia Internacional Portugal Preocupada com Estereótipos de Género Em Acórdão do Tribunal da Relação do Porto (Outubro de 2018), Amnistia Internacional Portugal