24 de janeiro: Dia Internacional da Educação

por Guilherme Machado

Ativista da Rede de Ação Jovem

O conceito de escola é extremamente vago, e devido às discrepâncias a nível mundial da realidade do que é o acesso à escola, os grandes problemas da educação podem ser diferentes tendo em conta a perspetiva. No mundo desenvolvido, especificamente no mundo ocidental, linhas de pensamento de cariz existencialista e pós-moderno, sucessoras do binómio escola-trabalho característico da social-democracia europeia dos anos 50 e 60, constroem uma narrativa que aponta a necessidade de mudanças drásticas acontecerem na educação formal, de modo a conferir ao currículo individual uma educação muito mais dinâmica, informal e conformada à personalidade única do estudante, de modo a impedir que a escola seja um meio de atolamento mental e garanta uma formação verdadeira a nível cívico, pedagógico e individual. Em outros lugares do planeta, onde a sombra do neocolonialismo ergue-se viva e sombria sobre os vilarejos poluídos e destruídos pela guerra, a existência de uma simples escola primária é rara e normalmente fruto do trabalho ocasional e aleatório de ONGs – semelhante a tentar salvar uma cidade de um tsunami com panelas.

Em 2019, 59,1 milhões de crianças ao redor do mundo viviam sem acesso a serviços escolares. Apesar da tendência decrescente deste número, cinquenta e nove milhões é uma quantidade considerável de crianças que crescerão sem qualquer acesso às estruturas escolares de igualdade, aprendizagem e de desenvolvimento social e individual. São 59 milhões de crianças que estão, devido à ausência de educação formal, tendencialmente mais expostas ao tácitos males de comunidades em desenvolvimento com ausência de escolas – a pobreza, inclusão na criminalidade, prostituição infantil, gravidez infantil, e casamentos forçados. 

É o estabelecimento da infraestrutura escolar e educativa democrática, igualitária e segura que coloca as comunidades no caminho do desenvolvimento (se incluído numa esfera de desenvolvimento e fim da exploração económica das comunidades e dos seus recursos). Um professor com acesso a um esquálido estabelecimento possui a capacidade de direcionar um pedaço de uma geração no caminho do crescimento individual, permitindo que a comunidade como um todo se regozije na saída coletiva da penumbra paupérrima da ignorância e decadência. Algo tão simples como a literacia pode significar o fim da exclusão social e o começo da participação dos processos sociais. Em comunidades nas favelas latino-americanas. exemplos do subproduto de sociedades inerentemente desiguais com base na exploração de comunidades pobres e na acumulação de riqueza, a introdução de escolas (detalhe interessante, estas escolas recebem apoios indispensáveis de ONGs locais), permitiu que várias crianças introduzidas no ambiente decadente da pobreza fecundante da criminalidade, toxicodependência e trabalho infantil conseguissem atingir maior qualidade de vida, melhorando a vida em comunidade.

Existe um problema essencial com a situação acima descrita. A pobreza é, e sempre foi, uma condição auto-reprodutiva, e consumidora de comunidades. As consequências da exclusão social e económica de comunidades inteiras são as mesmas que se tentam combater com a criação de bases para o acesso à educação em zonas pobres, o que indica que, a introdução de escolas em comunidades pobres e com deficientes infraestruturas deve ser feita numa esfera de atuação ativa a nível das autoridades locais e estatais na direção de resolver a pobreza e extrema pobreza. Nenhuma comunidade proliferará quando estiver inserida numa sociedade desigual e que a exclui economicamente, socialmente e em alguns casos etnicamente, mesmo que com acesso à escola. Esta situação aplica-se a todos os problemas que a educação pode resolver, mesmo que a escola permita criar um espaço aberto de ensino e desenvolvimento individual – algo que se reflete mais tarde nas comunidades – nenhuma criança, por mais acesso à educação que possua, será retirada da sombra social da sua comunidade enquanto as autoridades não atuarem realmente no campo da pobreza extrema.

Outra dimensão essencial na compreensão na desigualdade de acesso à educação é a questão do género. O número de crianças e jovens do sexo feminino sem acesso à educação é superior ao número masculino em grande parte dos países, e até em países que atingiram um certo nível de democratização da educação (países do Golfo Persa, por exemplo), possuem um número quase residual de mulheres estudantes. A isto deve-se o facto de que a mulher nestes países não se emancipou através do mesmo processo que ocorreu nos países ocidentais durante o século XX – as primeiras ondas do feminismo – e por isso, nestes países subdesenvolvidos, em especial no continente africano e no mundo árabe, a mulher retém um lugar extremamente reprimido na sociedade. Assim como na pobreza, a escola serve como meio essencial para a libertação gradual da mulher na sociedade, através da educação livre e universal, porém, assim como se vê em vários países as duas dimensões não se acompanham, e o lugar da mulher nestas sociedades estagna-se perante o gradual aumento do acesso à educação. 

A educação deve por isso, servir como ferramenta essencial de um processo extenso e multidimensional do fim da exploração e opressão de comunidades excluídas, que se verificará tanto ao nível da pobreza, da mulher, da família e da comunidade. No dia 24 de janeiro celebra-se o Dia Internacional da Educação com uma penumbra vigorosa dos imensos desafios e extensos números de pessoas excluídas desta estrutura. A luta pela educação não deve ser feita simplesmente com o trabalho das ONGs e outras estruturas, mas através de uma luta interseccional e multidimensional contra à pobreza e exclusão social.