Obrigadas a crescer

por Marta Ferreira, ativista da ReAJ

 

Hoje é o Dia Mundial Contra o Trabalho Infantil, estabelecido desde 2002 pela Organização Internacional do Trabalho.

Comecemos por apresentar alguns números.

  • Atualmente, há cerca de 218 milhões de crianças a trabalhar, muitas delas a tempo inteiro. Desses 218 milhões, aproximadamente 73 milhões estão empregadas em trabalhos considerados perigosos para a sua saúde física, psicológica e social, seja pelas condições em que trabalham, seja pelo trabalho em si, como a exploração mineira.
  • A preponderância medida é nos rapazes, contudo há muito trabalho doméstico realizado por raparigas que não é possível contabilizar, sendo portanto provável que os valores por sexo sejam mais próximos;
  • A zona do globo onde há mais trabalho infantil é África, com cerca de 72 milhões de crianças empregadas – cerca de 1 em cada 5 crianças. Segue-se-lhe a zona da Ásia e Pacífico, com 62 milhões – 1 em cada 14. A Europa e a Ásia Central empregam cerca de 5.5 milhões de crianças – 1 em cada 25;
  • Cerca de 76 milhões das crianças vítimas de trabalho infantil têm entre 5 e 12 anos de idade;
  • Embora a maioria do trabalho infantil perigoso seja levado a cabo por crianças entre os 15 e 17 anos, cerca de 19 milhões dessas crianças (sensivelmente 1/4 do trabalho infantil perigosos) têm menos de 12 anos de idade;
  • A esmagadora maioria do trabalho infantil é no setor agrícola – cerca de 71%. O setor dos serviços emprega cerca de 17% e o industrial (maioritariamente em exploração mineira) 12%.

Entre as maiores preocupações com o trabalho infantil perigoso estão o tráfico de crianças para exploração sexual, tráfico de droga e as crianças soldado.

Atualmente há cerca de 300 mil crianças a participar em conflitos armados, utilizadas para trabalho espião, como estafetas ou como escudos humanos. São recrutadas muito novas, retiradas às famílias, ou indo mesmo por iniciativa própria em busca de melhores condições, e por isso apegam-se aos oficiais responsáveis por elas. Isto faz com que sejam muito valiosas, pois acabam por ser muito mais facilmente controláveis, menos reivindicativas, além de que consomem menos recursos. São também um bom trunfo porque há sempre hesitação em atacar quando há uma criança do outro lado, sendo, por isso, muitas vezes escolhidas para escudos humanos. A guerra é traumatizante para qualquer pessoa, deixando feridas que perduram muito depois do fim dos conflitos. Esse trauma é dramaticamente maior para uma criança pois ainda se está a desenvolver, passando pelo terror dos conflitos no período de desenvolvimento e crescimento, sendo obrigada a cometer atrocidades que não deveriam ser exigidas a ninguém. Os danos causados podem ser irreversíveis.

O artigo 38º da Convenção dos Direitos da Criança estabelece que os “tomar todas as medidas possíveis na prática para garantir que nenhuma criança com menos de 15 anos participe directamente” em conflitos armados, existindo um protocolo adicional posterior à Convenção que estabelece a idade mínima nos 18 anos (Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos da Criança relativo ao envolvimento de crianças em conflitos armados). No entanto, nem todos os Estados aderiram (por exemplo o Irão só assinou em 2010 e ainda não ratificou, e os Emirados Árabes Unidos ainda nem assinaram).

O trabalho infantil viola o artigo 32º da Convenção dos Direitos da Criança, que estabelece que a criança tem “o direito de ser protegida contra a exploração económica ou a sujeição a trabalhos perigosos ou capazes de comprometer a sua educação, prejudicar a sua saúde ou o seu desenvolvimento físico, mental, espiritual, moral ou social”. O mesmo artigo refere que cada país deverá estabelecer uma idade mínima legal. Todas as crianças que ocupam quase todo o seu tempo a trabalhar também estão a ser privadas do seu direito à educação, consagrado na mesma Convenção, no artigo 28º.

A exploração laboral infantil é mais comum em países onde as condições de vida são mais complicadas (vide imagem 1), sendo que em muitos casos são os próprios pais que as põem a trabalhar para que a família possa sobreviver. Isso leva a que as crianças não consigam completar os seus estudos, e, consequen­temente, estas populações permanecem na pobreza e não consigam melhorar as suas condições de vida. Estas crianças são forçadas a crescer cedo de mais, não podendo desfrutar de uma infância feliz, despreocupada e segura, tudo condições fundamentais para que possam crescer e tornar-se pessoas saudáveis, equili­bradas e com força.

 

Imagem 1: Percentagem de crianças entre os 5 e os 17 anos envolvidas em trabalho infantil, por região. (clica na imagem para ires para a fonte e veres mais dados)

 

É imperativo que tomemos consciência de que podemos fazer algo para impedir que estas crianças sofram, e que é nosso dever protegê-las, quer seja contribuindo para instituições que ajudem a tirá-las do mercado de trabalho e lhes providenciem educação, quer seja apoiando instituições que trabalham junto das populações e destas crianças, quer seja dando um pouco do nosso tempo para as ajudar a terem uma infância feliz. É também preciso que compreendamos que isto é um problema global: que o café que bebemos, o chocolate que comemos, muitos dos brinquedos que oferecemos, ou mesmo os telemóveis onde muito provavel­mente estás a ler este texto, são fruto, em alguma fase da sua produção, do trabalho infantil.

Estas crianças merecem ter uma infância digna, merecem amor e liberdade para brincar e se desenvolverem, tempo para estudar para poderem pensar por elas próprias e terem as ferramentas e mecanismos necessários para lutarem por uma vida melhor.

Estas crianças merecem ser crianças, e nós temos o dever de lhes assegurar esse direito básico.

 

Queres fazer algo JÁ? Então segue este link e exige respostas das principais marcas. Será que existe trabalho infantil nas suas cadeiras de produção?

 

 

Leituras complementares:

https://www.amnesty.org.au/campaigns/child-labour/ – Trabalho Infantil (EN)

https://www.amnesty.org.au/palm-oil-toolkit/ – Trabalho infantil na exploração de óleo de palma (EN)

https://www.amnesty.org/en/latest/news/2016/01/Child-labour-behind-smart-phone-and-electric-car-batteries/ – O trabalho infantil por detrás dos smartphones e das baterias de carros elétricos (EN)

https://www.amnesty.org/en/latest/news/2017/11/industry-giants-fail-to-tackle-child-labour-allegations-in-cobalt-battery-supply-chains/ – Indústrias falham em combater o trabalho infantil existente nas suas cadeias de produção (EN)

 

Fontes:

https://data.unicef.org/topic/child-protection/child-labour/#more–1550 visitado a 11 de junho de 2019

https://www.un.org/en/events/childlabourday/background.shtml visitado a 11 de junho de 2019

https://www.unicef.pt/media/1206/0-convencao_direitos_crianca2004.pdf download da Convenção dos Direitos da Criança (pág. 1) e Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos da Criança relativo ao envolvimento de crianças em conflitos armados (pág. 45)

http://indicators.ohchr.org/ visitado a 12 de junho de 2019