Dia Internacional para a Reflexão do Genocídio de 1994 no Ruanda

por Joana Pegacha,

Ativista na ReAJ- Rede de Ação Jovem

 

O termo “genocídio” surge em vários momentos sombrios da nossa história, demasiados. Hoje, dia 7 de abril, proclamado como o Dia Internacional para a Reflexão do Genocídio de 1994 no Ruanda pela Assembleia Geral das Nações Unidas (1), lembramos aquele que ocorreu contra os tutsis.

Esta data tem como objetivo homenagear todos os que foram assassinados e refletir sobre o sofrimento daqueles que sobreviveram. Não o podíamos fazer de melhor forma que não questionar: como é que isto se iniciou e tomou tais proporções?

Em 1990, o país iniciava uma guerra civil quando a Frente Patriótica de Ruanda (de agora em diante “FPR”), grupo guerrilheiro composto pela minoria étnica Tutsi, começa a atacar tropas do governo sob a gestão do Presidente Habyarimana, surgindo vários grupos na população que difundia ódio contra os Tutsis, colocando os Hutus como superiores.

Um desses grupos, o Akazu, veio tornar-se no “Poder Hutu”, que participou de forma direta no genocídio. O FPR buscava tomar o poder visando o retorno dos refugiados Tutsi e iniciaram o ataque contra as tropas governamentais em 1990, estendendo-se até 1993, quando foi estabelecido um cessar-fogo entre ambos os lados.

Contudo, o grupo extremista Poder Hutu não concordou com este acordo e elevou a tensão no país, desenvolvendo milícias, fazendo o uso de todas as armas possíveis.

Em 1994, o presidente Habyarimana foi morto num ataque ao seu avião na capital de Ruanda e, com base nesse episódio, o Poder Hutu inflou investidas contra os tutsis atacando até Hutus considerados moderados.

Em apenas 100 dias, 800 mil Tutsi foram massacrados pelas milícias, que rasgam ao meio o país, sendo apenas interrompidos quando a FPR conquistou a Capital e destituiu o governo.

O Conselho de Segurança das Nações Unidas só veio a reconhecer a ameaça em maio de 1994, quando impôs embago a armamentos e anunciou o envio de 5.000 homens. Ao final de junho do mesmo ano, a França, através da “Opération Turquoise” (2), envia as primeiras tropas para o nordeste do país, contendo o massacre no início do mês seguinte, todavia, a FPR teria matado de 25 a 60 mil Hutus, como forma de represália pela intervenção francesa.

A Cruz Vermelha anunciou, posteriormente, que haviam morrido até um milhão de pessoas na crise. Com isto, resta questionar: porquê? porque é que ninguém impediu isto de acontecer?

Após a reação do grupo Poder Hutu ao acordo supramencionado, a Organização das Nações Unidas (ONU) havia sido alertada sobre o alto risco de o conflito retornar e da ocorrência de um genocídio, mas manteve-se inerte. Além do mais, após ser reconhecida a ameaça, apenas a França e oito países do continente africano anunciaram a intenção de enviar uma força de intervenção. Isto levou o Secretário-Geral à época, Kofi Annan, buscar, com mais de cem Estados, tropas para agir, não obtendo sucesso. A França foi, então, autorizada a intervir, através da Resolução 929205, visando a proteção humanitária. A resposta da ONU, para a crise no Ruanda, não foi suficiente pela falta de engajamento dos Estados para prevenir as graves violações humanitárias.

Este foi um dos episódios mais negros da história e, não se deixando de lamentar estas mortes, é urgente garantir que a Comunidade Internacional terá condições para responder, de melhor forma, a crises humanitárias, designadamente genocídio. Isto passa por uma consideração da Carta das Nações Unidas, que consagra os princípios da renúncia ao uso da força pelos Estados-membros e da não-ingerência nos assuntos internos dos Estados, nos números 4 e 7 do art. 2º, respetivamente, tendo este último as exceções respeitantes à legítima defesa (art. 51º) e às hipóteses do art. 42º, no âmbito da ação autorizada pelo Conselho de Segurança quando houver ameaça ou ruptura da paz internacional.

No entanto, a intervenção humanitária sob autorização deste órgão (única que se pode considerar legal) nem sempre ocorre, de todo ou, pelo menos, de forma célere. Primeiramente, devido ao sistema de voto utilizado pelo Conselho de Segurança, em que qualquer dos seus Membros permanentes pode impedir uma tomada de decisão, somado à falta de uma força militar própria da ONU, o que ficou particularmente visível na sequência da intervenção no Ruanda.

Na sequência deste caso e da polémica intervenção da NATO no Kosovo, surgiram várias questões acerca da finalidade e capacidade para o empreendimento de intervenções humanitárias. Isto levou Kofi Annan, Secretário-Geral da ONU em 1999, referindo o fracasso das ações em Ruanda, a questionar, a dirigir-se àqueles que veem como ameaça o uso da força sem autorização do Conselho de Segurança, se um conjunto de Estados preparado para agir em defesa dos Tutsi, antes do genocídio, deveria ou não ter permitido esse horror por não obter uma autorização desse órgão para intervir. O Governo do Canadá respondeu a esta questão, criando, em 2000, um grupo com estudiosos, visando a relacionar os direitos humanos com a soberania e intervenção, que se tornou na Comissão Internacional sobre Intervenção e Soberania Estatal (ICSS).

Desta comissão surge o relatório “The Responsibility to Protect”, destacando que a soberania garante aos Estados o controlo dos seus assuntos internos e, além disso, a responsabilidade inicial de proteger as pessoas dentro do seu território, detalhando também a missão da Comunidade Internacionais quando isto não ocorresse: prevenir, reagir e reconstruir, seguindo esta ordem.

A resposta da ONU a esta doutrina deixou a desejar, mas foram vários os avanços por ela alavancados. Cabe-nos a nós, enquanto membros da Comunidade, atentar noutras realidades e ser solidários com o sofrimento do outro, dando visibilidade a estas questões e aprendendo com o passado para construir o futuro. O caminho é longo.

 

 

1 – através da Resolução 58/234 adotada a 23 de dezembro de 2003

2 – a “Opération Turquoise” foi executada sob um mandado concedido pela ONU, através da Resolução 929, de 1994, e plenamente integrada ao sistema de segurança da Carta das Nações Unidas