Violência contra as mulheres

Estará a lei contra a violência doméstica na China a ser aplicada, dois anos depois da sua aprovação?

A primeira lei contra a Violência Doméstica na China entrou em vigor em Março de 2016, após duas décadas de campanha das activistas dos direitos das mulheres. Representou um marco de sucesso para activistas como Lu Pin mas dois anos decorridos quais as consequências práticas desta lei? Lu Pin, activista dos direitos das mulheres, escreve sobre a realidade no terreno. Eis o seu texto:

Durante muito tempo, as mulheres na China mobilizaram-se para se entre ajudarem. De acordo com as estatísticas oficiais chinesas, uma em quatro mulheres foram alvo de violência doméstica. E contudo esta “epidemia” silenciosa foi escondida debaixo do tapete. A violência dentro das famílias tem sido encarada na China como um assunto privado – um assunto em que não se pode interferir. Agora esta atitude está a mudar.

Mudança da opinião pública

O silêncio foi quebrado quando uma telenovela muito popular – “Não Respondam a Estranhos” que mostrava abusos domésticos numa família, passou na televisão. Embora “Não Respondam a Estranhos” fosse uma produção comercial, incorporava no seu enredo numerosas sugestões de grupos de direitos das mulheres. A telenovela quebrou barreiras e despoletou discussões sobre a violência doméstica na sociedade chinesa.

Atendendo ao sucesso televisivo, a organização “Rede Pela Lei Anti – Violência Doméstica da Sociedade Chinesa ” em que eu trabalhava como assessora de imprensa produziu, em 2002, o primeiro anúncio publicitário de rua contra a violência doméstica. Na primavera de 2003 tentámos fazer aprovar pelo governo uma lei Anti- Violência Doméstica, aproveitando a concentração em Pequim de inúmeros meios de comunicação social que iam relatar a reunião das “Duas Sessões”, as reuniões anuais das juntas consultivas legislativa e do governo. Apresentámos uma proposta de lei que acabou por não ser incorporada na agenda legislativa oficial, apesar do interesse público que suscitou. Em 2005 um documentário divulgado pela televisão oficial chinesa, a CCTV, sobre as mulheres que estavam presas por terem assassinado os maridos que tinham exercido sevícias sobre elas, foi mais um marco para despertar a percepção da sociedade sobre o problema.

Kim Lee: o caso de uma celebridade

Um dos casos mais conhecidos de violência doméstica levados a tribunal foi o de Kim Lee. Kim era uma cidadã americana a viver em Pequim, casada com o milionário Li Yang. Li era uma celebridade na China devido ao seu método pouco convencional mas eficiente de ensino de inglês, intitulado “Inglês Disparatado”. Kim chocou a nação quando publicou nas redes sociais fotos do seu corpo cheio de equimoses espancado com um taco. O seu divórcio foi notícia durante um ano. Kim recebeu uma indemnização de RMB 50.000 (cerca de USD $8.000) – a maior indemnização jamais atribuída por abuso.

Quando Kim saiu da sala do tribunal abraçou as activistas que vestiam fatos de noiva tingidos de sangue, as quais assim realçavam a questão da violência doméstica.

                                                                             Casamento sangrento

 

Na sequência deste evento, o mesmo grupo de activistas elaborou uma petição pública que obteve 12.000 assinaturas e em que afirmavam: “Não queremos uma lei contra a violência doméstica que seja enganadora, vazia e apenas simbólica… esperamos ser informadas, tomar parte e monitorizar o processo de elaboração da lei”.

Legislação

A primeira legislação contra o abuso doméstico foi publicada na província de Hunan, no ano 2000. Em 2010 o governo central incluiu na sua agenda uma lei sobre esta questão mas a lei nacional só entrou em vigor em Março de 2016. A batalha pela sua implementação só agora começou.

O direito de custódia dos filhos não está claramente regulamentado. Supõe-se que os tribunais têm em consideração o melhor interesse da criança ao atribuir a sua custódia mas não existem directivas claras como e quando o abuso doméstico contra um membro da família influencia essa decisão.

Um exemplo é o da cidadã canadiana Shirley Dai que ganhou o processo de divórcio por violência doméstica contra o marido Liu Jie, um famoso coordenador de voos acrobáticos. Contudo ela perdeu a custódia do filho, tendo questionado por que razão o poder paternal foi atribuído totalmente ao abusador. O tribunal decidiu a favor do marido, sendo que ela já não via a criança há dois anos. Shirley fundou juntamente com nove outras mães o “Movimento da Fita Púrpura” para continuar a lutar pelos direitos de custódia e de visitas.

Resultado da Lei Contra a Violência Doméstica

Em Novembro de 2017, a organização de direitos das mulheres “Igualdade” divulgou um relatório sobre a falta de apoio às vítimas que fogem das casas onde são violentadas: em 2016 só 149 pessoas foram admitidas nos 2.000 abrigos ocasionais destinados às vítimas de violência doméstica. Os requisitos para a admissibilidade são severos e os regulamentos nos centros são rígidos e os serviços inadequados.

Estes problemas têm sido relatados pelos meios de comunicação social durante anos mas pouco tem sido feito para melhorar a situação.

Os casos de violência doméstica continuam a ser muito difíceis de ganhar em tribunal. Por exemplo a organização “Igualdade” relatou que 10 meses após a entrada em vigor da lei, na cidade de Jinan, dos 142 casos de pedido de divórcio por abusos, só 14 tinham sido bem sucedidos. As razões de sucesso destes 14 casos foram sempre as mesmas: os acusados confessaram os abusos. Nos restantes casos os acusados negaram as perpretações e os juízes declararam que as provas eram insuficientes.

As lutas contra a violência doméstica e pelos direitos das mulheres têm de continuar. Até agora o caminho tem sido construído pelas mulheres, vítimas e sobreviventes expondo a sua reputação e segurança física para que novas políticas e nova legislação sejam implementadas em cada província. A exigência de mudança espera ainda por uma resposta satisfatória do governo.